Quando o mundo da tecnologia encontra a comédia familiar e o drama existencial, o resultado pode ser surpreendente — e esse é exatamente o caso de Unstable, série da Netflix lançada em 2023 e protagonizada por Rob Lowe e seu filho na vida real, John Owen Lowe. A trama, ambientada em um laboratório biotecnológico de última geração, mergulha na mente instável de um empreendedor brilhante que tenta lidar com a perda, a pressão e a paternidade de forma, digamos… pouco convencional.
Mas não se engane: Unstable vai muito além de uma simples sitcom de pai e filho. Com episódios ágeis, diálogos afiados e uma estética moderna, a série entrega uma comédia absurda que, mesmo no exagero, encontra espaço para discussões reais sobre saúde mental, luto, expectativas familiares e identidade pessoal. Em meio a situações inusitadas e personagens tão excêntricos quanto encantadores, o espectador se vê rindo — e pensando — ao mesmo tempo.
Rob Lowe Como Ellis Dragon: Charme, Ego e Fragilidade
Ellis Dragon, vivido por Rob Lowe, é o tipo de personagem que hipnotiza. Ele é um bilionário visionário do setor biotecnológico, dono da empresa Dragon, que criou inovações científicas de impacto mundial. Mas, desde a morte de sua esposa, Ellis não é mais o mesmo: passa seus dias flertando com o colapso emocional, agindo de forma errática, mergulhado em comportamentos imprevisíveis e altamente performáticos.
A interpretação de Rob Lowe é magnética: ele injeta carisma, sarcasmo e uma pitada de loucura controlada ao personagem. Ellis não é apenas excêntrico — ele é brilhantemente instável. O ator consegue equilibrar os rompantes cômicos com momentos de sensibilidade genuína, criando um personagem que poderia facilmente se tornar um clichê, mas ganha humanidade e profundidade a cada episódio.
Jackson Dragon: Um Filho Tentando Escapar da Sombra (e do DNA) do Pai
Interpretado por John Owen Lowe, Jackson é o oposto do pai: introspectivo, analítico, avesso aos holofotes e com zero interesse no império bilionário construído pela família. No entanto, após o colapso emocional de Ellis, ele se vê forçado a voltar para casa e trabalhar na empresa, numa tentativa de ajudar o pai — e talvez, inconscientemente, a si mesmo.
A dinâmica entre os dois é o coração da série. A química entre os atores — que são pai e filho na vida real — transparece na tela e adiciona camadas de autenticidade aos conflitos e afeto entre os personagens. Unstable explora a tensão entre herança e identidade: como construir uma vida própria quando se carrega o sobrenome (e a bagagem emocional) de um gênio instável?
Comédia Absurda Com Toques de Sinceridade Emocional
A grande sacada de Unstable está em seu tom: a série trafega pelo absurdo com segurança, apostando em situações inverossímeis que, ainda assim, ressoam emocionalmente com o público. As interações bizarras entre os cientistas da empresa, os diálogos carregados de sarcasmo e os dilemas existenciais camuflados em comédia leve criam um produto original, divertido e inesperadamente tocante.
Ao mesmo tempo em que a série brinca com clichês do mundo tech — os laboratórios hipermodernos, os funcionários geniais mas socialmente ineptos, o culto ao CEO carismático — ela também questiona o impacto real da genialidade emocionalmente instável, o quanto o luto pode alterar completamente uma pessoa, e como os filhos tentam sobreviver aos traumas herdados sem repetir os mesmos padrões.
Elenco Coadjuvante Afiado: O Tempero Que Dá Sabor à Série
Se a dupla Rob e John Owen Lowe sustenta a espinha dorsal da trama, o elenco de apoio é o que mantém Unstable pulsante e viva. Sian Clifford (a inesquecível irmã de Fleabag) interpreta Anna, a assessora pragmática e brilhante que tenta manter Ellis funcional enquanto equilibra o caos cotidiano. Seu humor seco e sua inteligência afiada são uma âncora para o espectador.
Aaron Branch, como Malcolm — melhor amigo de Jackson e funcionário da empresa — entrega leveza, empatia e sensatez em meio ao universo excêntrico em que está inserido. E ainda há a dupla de cientistas interpretada por Rachel Marsh e Emma Ferreira, que protagoniza cenas hilárias e representa, com carisma, o “lado B” da genialidade: os nerds com desejos, medos e dilemas sociais reais.
Crítica Disfarçada: Genialidade, Luto e Masculinidade Emocionalmente Reprimida
Apesar de leve na forma, Unstable tem conteúdo de sobra. Em seus episódios curtos, a série toca em temas densos com sutileza. O luto de Ellis é o fio condutor do seu colapso emocional — e, ao mesmo tempo, o motor para a reaproximação com o filho. A série não oferece respostas fáceis nem arcos emocionais previsíveis. Em vez disso, mostra como o sofrimento se infiltra nas pequenas ações, nos gestos impulsivos, nos silêncios incômodos.
Outro ponto relevante é a forma como Unstable retrata a masculinidade. Jackson é um homem sensível, inseguro, que tenta se proteger da pressão do legado paterno. Ellis, por outro lado, é expansivo, performático, mas emocionalmente devastado. Ambos refletem dois lados de uma mesma crise: como ser homem — e ser inteiro — em um mundo que cobra genialidade, desempenho e controle constante.
Ritmo Ágil e Estética Moderna: A Netflix Acerta no Tom
Visualmente, Unstable tem identidade: seus cenários misturam o futurismo do mundo tecnológico com espaços intimistas e iluminados de forma quase teatral. O laboratório da Dragon parece saído de uma ficção científica, mas as interações que ali acontecem têm a espontaneidade e o ritmo de uma sitcom.
Com episódios que giram em torno de 25 minutos, a série é perfeita para maratonar. O ritmo é ágil, sem deixar de dar espaço para as emoções respirarem. A trilha sonora contemporânea complementa bem a vibe da série, e o roteiro evita repetições — cada episódio avança um pouco mais na história pessoal dos personagens, sem perder a leveza.
Pontos a Melhorar: Nem Todo Episódio é Memorável
Apesar de ser uma série charmosa e bem construída, Unstable tem seus momentos menos inspirados. Alguns episódios parecem girar em círculos, com piadas que funcionam apenas pela excentricidade dos personagens, mas não adicionam muito à trama central. Em certos pontos, o roteiro se apoia demais no carisma de Rob Lowe e esquece de explorar com mais profundidade alguns personagens secundários.
Além disso, quem espera uma comédia mais convencional ou com grandes viradas dramáticas pode se sentir um pouco frustrado. Unstable aposta em pequenas nuances e no humor de situações estranhas, o que funciona para um público específico — mas pode parecer “esquisito demais” para alguns.
Uma Comédia Sobre Conexões Humanas (Mesmo em Meio ao Caos)
No fim das contas, Unstable é uma série que fala sobre o que significa estar emocionalmente perdido — e ainda assim tentar construir algo com sentido. É sobre relações quebradas que buscam reparo, sobre expectativas que sufocam e sobre o valor da vulnerabilidade em um mundo que exige performance o tempo todo.
Mais do que piadas inteligentes e situações engraçadas, a série oferece um olhar gentil sobre personagens em crise — e isso a torna especial. Ela mostra que, mesmo em ambientes futuristas e cheios de inteligência artificial, o maior desafio ainda é entender o que sentimos e como nos conectamos com os outros.
Conclusão: Instável, Sim — Mas Profundamente Humana
Unstable é, como o próprio nome sugere, uma série sobre instabilidade — emocional, profissional e familiar. Mas é justamente nessa instabilidade que mora sua força. Com humor original, personagens cativantes e um roteiro que dosa bem o absurdo e o emocional, a série entrega algo raro: uma comédia sobre gente imperfeita tentando acertar.
Rob Lowe brilha em um papel feito sob medida. John Owen Lowe confirma seu talento com uma atuação contida e honesta. E a dinâmica entre pai e filho, tanto na ficção quanto na vida real, confere à série uma aura de autenticidade difícil de encontrar.
Não é uma série para todos os gostos — mas para quem aprecia uma comédia que brinca com o nonsense sem perder o coração, Unstable é uma grata surpresa.
Nota final: 8,5/10
Criativa, sensível e ligeiramente caótica, Unstable é um lembrete de que até os gênios mais brilhantes estão lutando com algo — e que rir de tudo isso pode ser o primeiro passo para encontrar algum equilíbrio.